A Rua de Sta. Catarina, no Porto, é o coração comercial por excelência da cidade Invicta. Ali estão instaladas as grandes marcas mundiais, desde o vestuário, ao calçado, passando pela alta joalharia, a indústria da hotelaria, da alta cozinha e da confeitaria de alto nível.
Por aquela artéria citadina, todo o dia cirandam para baixo e para cima milhares de pessoas das mais diferentes culturas, credos e raças, num constante burburinho de várias idiomas que nos chegam aos tímpanos como exemplo de outros mundos, de outras terras distantes, de outras gentes bem distintas daquele naipe que somos.
Por entre toda esta saudável algazarra, damos de caras com "aquilo" a que denominamos de "artistas de rua". Verdadeiros talentos, gente corajosa que oferece o melhor de si sem que nada lhes tenha sido pedido. Esbanjam talento e arte em surdina, como que algo envergonhados por não receberem da grande maioria dos passantes, mais do que um olhar de viés e, de alguns (poucos) não mais que um sorriso complacente. Almejam que os vejamos, que lhes dediquemos algum do nosso tempo de passeio, que os escutemos com respeito pelo esforço, pela coragem, pela luta constante para se manterem à tona da vida, deixando-lhes uma moeda. Só uma moeda para levar mais um dia para a frente.
Músicos, cantores, malabaristas, estátuas vivas, pintores, aguarelistas, retratistas, cartoonistas, eu sei lá, uma miríade de grandes artistas que merece o nosso reconhecimento pela arte, pela luz, pela côr, pelo movimento, pelos sons com que nos brindam...
Um dia da semana passada, voltei à minha Sta. Catarina e, eis que "reencontro" uma artista de canto lírico, proveniente de outras paragens (Austriaca, Alemã?) que já por ali tinha visto no ano passado. Nenhuma ajuda técnica, nenhum microfone, nada quanto a um pequeno amplificador. Nada quanto a uma coluna de som que a proteja. Tudo, mas mesmo tudo, é feito por entre o bruá das conversas, das risadas, do ruído dos motores de todo o tipo de veículos que por ali passam, e que é significativo, tendo em vista que este talento canta quase no vértice entre as ruas de Passos Manuel com Sta. Catarina, bem junto à esplanada do famoso e centenário "Café Majestic". Pois este ser, dona de uma arte e de um talento divinais, canta árias de peças operáticas tendo como único auxílio um pequeno leitor de música portátil que se não ouve por entre o ruído ambiente que tudo cerca. O que se ouve de forma poderosa, são as notas que aquela garganta feminina consegue trautear, fazendo um esforço verdadeiramente sobre-humano que merecia uma qualquer ajuda antes que se rasgue, antes que se auto-destrua um dia destes...
O meu apreço, a minha admiração, o meu respeito, e também, o meu desalento por uma tão sofrida forma de vida.