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19 outubro, 2024

Dino D'Santiago, o grito!...


Aconteceu nos dias 18 e 19 do corrente o Festival Tribeca, em Lisboa.

Muitos acontecimentos, muitos encontros entre gente famosa, muitas ideias sobre temas do nosso quotidiano e sobre a nossa ancestralidade. 

Robert de Niro e Whoopi Goldberg, para só citar estes, estiveram presentes e foram entrevistados por alguns dos nossos melhores vultos.

Dino D'Santiago entrevistou a actriz Norte Americana e dessa entrevista saiu um momento extraordinariamente emotivo, quando o nosso cantor e artista multifacetado entregou uma carta que dirigiu a Whoopi, pedindo-lhe que a lesse em palco. O momento é marcante, pois o conteúdo da missiva de Dino é sublime, é de uma beleza imaculada e, é também, o testemunho de um Homem deveras inteligente, que sempre soube ler o mundo à sua volta e continua, pleno de humildade a calcorrear as veredas da vida, sabendo de antemão, que o destino, que a Providência, que a fé dos Homens, o que quer que seja, sempre estarão na sua peugada, no seu encalço, na sua esteira, jamais lhe dando um minuto de descanso.

Para que possais aquilatar do valor intrínseco deste Homem, eis abaixo e na íntegra, o que escreveu Dino D'Santiago:

Citação:

 "-QUANDO AS LUZES SE APAGAM


Querida Whoopi Goldberg, nasci no ventre da escuridão, a cor mais antiga do mundo, a mesma que o céu veste quando todas as luzes se apagam e a humanidade se esquece de si mesma. A cor da noite, da profundidade, daquilo que ninguém quer ver, mas que todos, inevitavelmente, carregam. Cresci sob o peso desse manto invisível, que me foi dado como uma cruz a carregar antes mesmo de aprender a andar. A cor da minha pele era uma sentença antes de eu poder escrever a minha própria história, e o chão que pisava, uma vala aberta onde os sonhos se afundavam lentamente, um por um.
Ainda me lembro do cheiro do esgoto, um odor que não vinha do ar, mas das feridas que o mundo nos inflige. Nasci pobre, não apenas de dinheiro, mas de oportunidades, e vivi rodeado por uma miséria que não se lavava com água e sabão. A minha infância foi um acto de sobrevivência nas entranhas de uma sociedade que me cuspia para fora, como se eu fosse o erro, a falha no seu projeto perfeito. E o meu pai, pedreiro, construtor de muros e casas, não tinha as ferramentas certas para me ensinar a erguer a minha própria fundação espiritual. Talvez porque ele também estava ocupado a levantar as paredes que o protegiam da humilhação de existir.
Vivi, durante muito tempo, como um eco de crenças que nunca ressoaram dentro de mim. Repetia as palavras de outros, não porque as compreendia, mas porque sabia que era o que o mundo esperava de mim. Só Jesus, esse homem da cruz, falava a uma parte de mim que eu não sabia nomear. Mas, quando olhava para o seu rosto nas paredes da igreja, o reflexo não era o meu. A minha pele negra parecia desonrar a imagem do Salvador que me ensinaram a amar. E com isso, cresceu o pecado da comparação, de desejar ser algo que não sou. Aquele Jesus branco não poderia ser meu irmão, pensei. Então, passei a acreditar que o erro era meu, que o fardo do pecado era a minha própria existência.
Cresci a culpar o mundo, a culpar os meus pais por me terem trazido ao mundo antes que eles soubessem como protegê-lo da pobreza e do medo.

O que eu não sabia é que a cor do breu não é um erro, mas uma canção que o mundo ainda não aprendeu a cantar.

One Love
Dino"

Fim de citação

"... a humilhação de existir..." Que grandeza, que clarividência, que forma tão sofrida e tão bela de ser e estar na vida!