Absorto
Acordei esta manhã, meio tonto.
Levantei a custo e questionei-me:
Mas que raio se passa comigo?
Por que ando tão combalido?
Estou exausto, tão sem genica...
Limpo o rosto a uma toalhita.
Abanei a cabeça, sacudi as ideias,
Massagei os pés e calcei-os com meias
Pé ante pé fui até ao espelho, e não gostei do que vi.
Sou um maço de folhas, folhas que ainda não li.
Sou um magote de pensamentos dispersos,
Sou um naco de ideias soltas, em rimas e versos.
Onde estou, ó Deus!? não me reconheço,
Eu só quero ver-me por dentro, quando amanheço.
E, para que lado me viro quando adormeço?
Belisco-me, estou vivo ainda! será que mereço?
Abanei-me aturdido, ainda surpreendido,
Salto do leito e num ápice, dei comigo vestido.
Tomei café, mastiguei um qualquer nada,
Saí de casa e embrulhei-me na calçada.
Olhei os outros no fundo dos olhos,
Como se quisesse entrar-lhes na alma
Vi aquela moça de vestido de folhos
Vi-os a todos, num misto de fúria calma.
De repente, fiquei ali parado, especado...
Mirando as madeixas daquele cabelo pintado.
Revirei meus olhos num arrepio sem fim,
E dei comigo a indagar, o que vai dentro de mim?
Passaste ladina em passo aligeirado,
Deixaste tua fragrância no ar, impregnado.
Quando abri as pálpebras que havia cerrado,
Perdi-te algures na aragem, já tinhas abalado.
Sem saber o que fazer, e como fazer, só sem saber,
Indaguei o horizonte, como se dali viesse uma resposta;
Mas nada! Nada de novo que me fizesse resplandecer,
Deixei de ver rostos, só olhos frios, sem nada à mostra.
Senti-me sózinho, rodeado de tanta gente,
Assustei-me com a multidão que me rodeava dormente.
Bradei aos Céus todo a minha ira, toda a minha fúria
Mas, fiquei-me ali, alquebrado, ruminando uma lamúria.
Eu quero ir! Quero ir embora, para longe daqui,
Já nem sei o que me agarra, o que me sustém aqui.
O que fiz eu Deus meu, para merecer esta sensação?
Para ter dentro de mim este clamor, este grito no coração?
Aconteça o que quer que seja que aconteça,
Estarei por perto, sentar-me-ei contigo à mesa.
O que farei a seguir, o que está escrito no porvir?
Logo verei se fico, se hesito, ou se, afinal, tenho de ir.
E que mais, que mais meu Deus hei-de eu fazer?
Por onde quer que vá, o caminho é sinuoso,
É íngreme, difícil, cansativo, e até tormentoso.
De que sou feito, qual a matéria do meu ser?
Sem resposta, deixo caír os braços ao longo do corpo,
E fico inerte, ausente, longínquo... e absorto.
Carlos Menezes